A minha prova: Campeonato Mundial de Skyrunning Master, por José Virginio
- Eric Akita
- 17 de nov.
- 7 min de leitura
Atualizado: 18 de nov.
A minha história com o Campeonato Mundial de Skyrunning Master começou em outubro de 2024. Em setembro, ainda não havia a confirmação de que em 2025 teríamos a disputa desta competição pois a Federação Internacioal de Skyrunning, até aquele momento, não tinha escolhido a sede. No mês seguinte, veio a notícia: a sede escolhida foi a cidade de Karlovo, na Bulgária. E o cenário da disputa seria a Cordilheira Balcânica, também chamada Cordilheira dos Bálcãs. É uma cadeia de montanhas com extensão dos Cárpatos, separados destes pelo rio Danúbio. São 560 km do leste da Sérvia, passando pelo centro da Bulgária e alcançando o Mar Negro.
A busca pela vaga
Bom, histórias à parte, o passo seguinte seria se organizar, ou melhor, treinar para estar lá. Em diálogo com meu técnico Guilherme D'agostini, curtimos essa possibilidade e logo traçamos o plano de como chegar até lá. Nos dias 24 e 25 de janeiro de 2025, foi realizado o Campeonato Brasileiro de Skyrunning na cidade baiana de Catolés, com apenas uma vaga para cada categoria. No caso, a minha seria de 45 até 49 anos. E com duas provas: Vertical Kilometer (VK) com 4 km e 800 metros de ganho de elevação e SkyRace com 32km e 1900+. Para definir os classificados, os atletas obrigatoriamente teriam que disputar as duas provas classificatórias e somar os pontos para ver quem acumularia mais e ficaria com a vaga.
Meu resultado final da categoria: prata no Vertical Kilometer (VK) com o tempo de 49´26” e prata no SkyRace com o tempo de 4h33m05s. Fiquei atrás apenas do atleta Alexandre Santiago, que foi ouro nas duas provas. E a vaga não veio em janeiro, mas em julho, com a desistência de Alexandre, tive a confirmação: o meu nome estava na lista de convocados para o Campeonato Mundial Skyrunning Master, na Bulgária. Recalculei a rota do restante da temporada e resgatei os rascunhos de 2024, recordando as minhas ambições.
O custo de um sonho
Mas para estar no Mundial, além das trilhas técnicas, algumas pedras no caminho precisavam ser entendidas e superadas como os custos financeiros. O trail faz parte do meu DNA. É muito mais do que correr ou desbravar novos horizontes. E conquistar montanhas por este nosso mundo requer o uso da calculadora. E precisei quebrar o meu ‘porquinho’.
Quando somos capazes de inspirar, tocar corações mesmo de longe e motivar mesmo com tons sem rimas, meus sonhos passam a ser não somente do meu travesseiro, mas de todos. Foi neste momento que tive a certeza de que nunca estive só. Assim como os soldados de Leônidas, os 300 entre JVMs (alunos da minha assessoria) e amigos de ontem e de hoje se uniram em torno do esporte, da amizade e da minha dedicação e me ajudaram a equacionar essa matemática financeira do Mundial. Minha gratidão a todos, mas especialmente ao ‘tiozinho’ e amigo Rubens Muracami por recrutar cada ‘soldado’ (120 pessoas) e dividir o meu sonho com todos.
A preparação
Quando definimos que o Mundial seria a prova alvo de 2025, precisamos, inicialmente, entender e direcionar os treinos primeiros para ser o melhor no Campeonato Brasileiro de Skyrunning em Catolés (BA), pois lá estava a vaga. Os treinos para essa competição foram pensados para terrenos técnicos entre pedras e raízes e com desníveis considerados para chegar nos 2033 metros de altitude do Pico do Barbado, o mais alto do Nordeste.
Depois, o foco foi o Mundial e o que encontraria na Bulgária. Eu gosto e tenho como característica fazer uma corrida segura e alegre em terreno de estradas ou trilhas simples. Foi neste momento que precisamos mudar a dinâmica dos treinos e das performances para trechos mais técnicos e onde marchar e trotar fossem mais eficientes.
Muitos treinos foram desenvolvidos nas minhas trilhas locais como: Pico do Jaraguá (com foco na força e na técnica), Parque Anhanguera (cross ofertado lá sempre me permitiram subir e descer com alegria nas pernas), Parque dos Remédios (as escadas e os trechos de paralelepípedos sempre deram o tom da melhor força empregada e da propriocepção ideal), Parque Ibirapuera (com sua alamedas de entradas e saídas, o foco sempre ficou em chegar longe com muitas tomadas e retomadas de ritmo) e a USP (meta principal os treinos intervalados e as corrida de endurance de ritmo). E assim foi montado o quebra cabeça da periodização para estar pronto para o Mundial.
O Mundial
Este foi o meu sexto Mundial entre as classes Trail Run e Skyrunning. Já consegui chegar em alguns pico do Brasil e do mundo, mas na Cordilheira Balcânica, na Bulgária, foi algo totalmente novo para mim e para muitos que conheço. Lugar novo, expectativa renovada e motivação dobrada por conhecer o novo em todas os aspectos: clima, cultura, povo e atletas.
Partiu! Cinquenta minutos de Osasco até o aeroporto de Guarulhos. Quase treze horas de voo até a Turquia. Sete horas de espera pela conexão. E, por fim, uma hora de voo até Sófia, capital da Bulgária. Com os pés todos inchados e em um fuso de 6 horas para frente, chegávamos ao país do Mundial. Passamos a noite na capital búlgara e na manhã seguinte pegamos o trem rumo a Karlovo, a 2h30 de distância. Mais 30 minutos de carro e pude, enfim, ficar na posição horizontal (deitar!) e começar a avisar o pessoal no Brasil: “Cheguei!”
A delegação brasileira era composta pelo técnico Roberto, pelo coordenador técnico Alex Tomé e pelos os atletas Adão Leite, Margarete Leite, Adriana Vaz, Eliana Salomão, Jasiele Tagliari, Lucimar, Rodrigo Jonas, Michel, Pedro, Rosa Francisco Kuglin, Airac Baggi, Adriano Fiorini, Leonardo Nascimento e José Virginio.
A prova
Quando cheguei no local da prova nos dias que antecederam a disputa, para o reconhecimento de alguns quilômetros, as metas e estratégias já estavam muito bem definidas. Pudemos compreender melhor os terrenos, os desníveis e o que fazer no cume da montanha (km 14), predominantemente com subida por trilhas recheadas de pedras, raízes e gelo. E visualizamos como poderíamos ousar nos trechos de descidas e pastos, nas trilhas em bosques e nos quilômetros finais (4 km) em downhill repleto de pedras soltas e rochas. No km final, uma leve descida já por dentro da cidade digna de uma enorme possibilidade de colocar alegria nas pernas, com passadas largas e firmes no momento de cruzar a linha de chegada.
Em uma disputa ferrenha para driblar cada pedra na trilha, a velocidade já era de cruzeiro e claro que eu queria mais. Quatro atletas à minha frente também queriam e alguns atrás idem, mas o último km era meu pois eu sentia que queria mais. Eu toquei nele. Eu desenhei ele. Eu calculei ele. Eu controlo tudo que está aqui dentro (da minha mente) para fazer o melhor Quando não consigo, tento de novo até dar certo. Mas ali eu não iria ter um "tente outra vez". Foi neste momento, a uns 50m antes de terminar a trilha, que não tive controle do movimento ideal: tropecei em um raiz embreada nas pedras, usei a técnica trail do ‘Moleque’ e a do ‘Run Drunk’, apoiei a mão na rocha e usei como o último recurso chapar o pé esquerdo na rocha para me trazer de volta e me equilibrar para seguir. Mas não foi o suficiente pois vinha com muita velocidade para o trecho e o desequilíbrio fez com que a ação gerasse muita carga no meu posterior, rompendo os meus Isquiotibiais em 4,6 cm.
Foram os 1000m mais agonizantes que fiz nos últimos anos. Depois da queda, a vontade foi maior e parti para reta final, mas o corpo já estava ali limitado: andei, pulei em um pé só, corri de lado e trotei, mas não aliviava a dor. Com a perna direita plena, tratei de fazer uma amplitude considerável e de certa forma arrastava a esquerda. Cruzei a linha de chegada não com a mesma emoção que havia pensado, sem o “ahu-ahu” final e sem o brilho da conquista, mas cruzei por que nunca estive só.
José Virginio de Morais conquistou os 26.800m e 1902+ no tempo de 3h30m38s. 19º no geral e 7º na categoria Master de 45 -49 anos.
Transição e curtir os feitos de 2025
Depois do Mundial, eu já entraria no período de transição (destreino) pois este ciclo já havia se iniciado em setembro de 2024. Com a lesão tida como grave, estou em tratamento sem data de retomada aos treinos de forma mais sistemática.
Gostaria de contar um final de alegria nas pernas, sorriso no rosto e onde começo, meio e fim tivessem o mesmo enredo. De agora para 2026, o foco é me alimentar dos feitos de 2025, das entregas em cada treino e da energia boa que sempre recebo de perto ou de longe verbal ou virtual. Hoje, dia 17 de novembro, é o que meu coração exala.
Muito obrigado!
José Virginio
(atleta, treinador e sócio da JVM Trail Run)
@virginiojvm
Imagens: @skyrunningbrazil / @skyrunningfederation / arquivo pessoal.









